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Ouroculto – Arcanum Medicinalis

Ontem, excelente o entardecer do domingo, pude privar-me da sublime companhia de Christiano Sotero. Nem mesmo nosso último pretendido encontro, previsto para o Equinócio de Outono, pôde ocorrer devido às novas regras de conduta e isolamento impostas pela plutônica pandemia.

No transcorrer desta quarentena, como de hábito já o fazia desde quando conheci o mestre (era o ano da Graça de 1978), e no propósito de manter acesa a sagrada chama, tenho me dedicado à arte especialmente no que tange à interpretação de certas iluminuras que Sotero me confiou as decifrasse por ocasião da última vez em que, junto do confrade Alan, estivemos a trabalhar as nuances do Sal, as rebeldias Enxofre e os desconcertos de Mercúrio, em sua biblioteca laboratório.

Mas ontem, havendo previamente acertado nossa breve tertúlia, estive a visitá-lo no horário propício (vestindo, claro, a máscara protetora e conforme os demais protocolos recomendados), quando pudemos contemplar de seu bem-cuidado jardim, cada qual ali sentado a dois metros de distância um do outro, um belo pôr-do-Sol de inverno. Eu fora ter com ele interessado num poderoso extrato vegetal a ser administrado à minha idosa mãe, que, do alto de seus 84 anos bem vividos, vem se tratando exclusivamente com medicinas naturais de um AVC-cerebelar ocorrido em meados de 2014, com o que ela tem evoluído incrivelmente bem; daí a ideia de acrescentar à receita um preparado alquímico que o próprio mestre executa consoante a hermética de Paracelso, Similia similibis curantur.

— Quer dizer, então, que bastam duas gotas duas vezes ao dia deste extrato, a cumprir seu papel medicinal. Mínima assim sua posologia?

— Mesmo uma gota já promove efeito, explicou-me. Com duas, pelas manhãs e antes de sua mãe deitar-se, será notável! Este oleoso extrato preparei-lhe ainda sob os auspícios e regência do Magnificat de J. S. Bach, BWV 243, que tocava em glória durante todo o processo de dinamização manual, realizado sobre livro ‘capa-dura’ A Chave da Alquimia, de autoria do médico Paracelso.

— Além do que já conversamos, alguma recomendação devo levar a ela?

— Que esteja, sobretudo, receptiva aos seus sonhos, que lhe serão vívidos e cheios de graça, e enquanto bem lembrados, de maior graça repletos.

— Frisarei isto a ela; a propósito, ela adora me contar seus sonhos.

— O extrato conta ainda com água da Cachoeira de Santa Bárbara, cuja nascente se encontra na Chapada dos Veadeiros, nordeste de Goiás. Vali-me desta ‘especiaria’ cristalina como solvente, a dizer, usei-a para a diluição do extrato como acqua vitalis. Trouxe um pouco dela comigo quando de minha última visita ao local, um santuário natural de deslumbrante beleza, no município de Cavalcante. Por sinal, essa água tem inúmeras propriedades terapêuticas dado ao seu baixo teor de sódio e maior concentração de cálcio, combinação favorável ao alívio de dores em quaisquer quadros reumáticos. Isto sem falar das microalgas que abundam na nascente, conferindo à Santa Bárbara sua coloração azul esverdeada, que especialmente se realça quando os raios de Sol (ouro alquímico) estão presentes, uma composição a mais em consonância com a citada Lei das Semelhanças, haja vista ser simbolicamente verde a Tabula Smaragdina de Hermes Trimegistus, e lapis lazuli a cor preponderante que domina a retorta, uma vez alcançada a derradeira fase do processo alquímico, nomeada pelos Adeptos de ‘cauda do pavão irisdescente’.

— Se bem compreendi, conforme conversamos, é das profundezas da caverna que nasce o secreto veio vital a dar potência e nome à maioria dos remédios. Daí a necessidade de que a busca por seus segredos seja anônima e interna.

— Sim, exatamente a razão pela qual só preparo estas medicinas artesanalmente e em estado de completa entrega e oração, compenetrado da presença dos antigos mestres que nos inspiram o ato, e sempre mirando em intenção a perfeita saúde daqueles que desta augusta medicina se servirão.

— Trata-se, pois, este extrato vegetal, de um verdadeiro ouro medicinal…

— Um ‘Ouroculto’, a bem falar; se o nobre propósito é o de tratar vossa mãe, mais ainda importava buscar seu Arcanum no ventre materno da própria natureza, lá no fundo do poço do zodíaco, nos asterismos esotéricos mais profundos de Câncer, a saber: Acubens, Al Tarf e as duas Assellus, austral e boreal, onde, por sinal, encontra-se no momento transitando o Astro-Rei. Pois, foi neste último 5 de julho, por ocasião do eclipse penumbral da Lua (que se encontrava em Capricórnio), que se cumpriu a auspiciosa efeméride durante a qual, da meia-noite às 3h da madrugada, preparei-lhe a medicina.

E tendo assim me revelado alguns detalhes de seu secreto modus operandi, mestre Sotero passou às minhas mãos os dois pequenos frascos conta-gotas de cor âmbar, devidamente rotulados, 33 ml cada, seu precioso Ouroculto:

OUROCULTO

“Buscai as profundezas da Verdade,
não seu cume”. Que a Obra pede entrar
pela secreta porta a se encontrar,
passagem para a terra em intimidade.

Assim, caverna abaixo e mais baixar,
descendo seus degraus em humildade
atrás da Oculta Pedra, um dia invade
o Adepto alquimista o Templo-altar.

E havendo, pois, chegado ao fim do poço,
cavado entranhas-mãe (ventre materno)
e o lodo revolvido, as mãos em lama,

é que dará com o Graal em pedra e osso,
que quanto mais profundo se derrama,
mais alto se resgata ao gole o Eterno.

C+S .:.
N.N.D.N.N.
Julho, ano da Graça de MMXX

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