CERTA VERDADE A RESPEITO DAS VERDADES
por Homero Pimentel (*)
A sabedoria dos séculos aponta aos homens três valores como os mais dignos, são eles: a Verdade, a Bondade e a Simplicidade. Juntos, compõem a Trina Virtude, e todo aquele que possa pautar sua conduta por ela, enobrece seu caráter e direciona-se para a Luz. A propósito, a medicina grega nasceu consagrada a deus Asclépio (cujo nome quer dizer “o bom e o simples”), personagem mítico e histórico, que missionariamente entregou sua vida ao sagrado exercício da cura dos homens, incluindo a preocupação com suas almas. Outro grande “bom e simples” da Antiguidade foi Sócrates (470-399 a.C.), que viveu e morreu corajosamente por causa de uma ética inabalável, praticada com rigor, em nome da verdade.
Os antigos gregos tinham a Verdade como uma das divindades de sua mitologia; representavam-na pela figura de uma mulher sorridente, modesta e nua, a indicar que andava despida de toda e qualquer falsidade ou das coisas que não a deixassem transparente. Ela traz na mão direita nada menos que o Sol, que ela fixa com o olhar, e na esquerda segura um livro aberto com uma palma sobre ele. Às vezes ela segura um espelho e, mais raramente, é vista em toda sua nudez, a sair de um poço, trazendo sempre à tona “aquilo que, até então oculto, simplesmente é!”
Assim se expressou o cronista romano Aulo Gélio (século II d.C.) em suas Noites Áticas, XII:
Veritas temporis filia.
A frase diz que a ‘Verdade é filha do Tempo’, como entendiam os gregos, que não só a viam como uma das filhas de Cronos, como dela faziam ser a mãe da Justiça e da Virtude.
Mas devemos ter certo cuidado com as Verdades, elas voam alto e, às vezes, de tão sólidas e pesadas, podem mesmo nos matar quando caem sobre nossa cabeça. Afinal,
“nem sempre é bom que se diga toda a verdade, mesmo sendo simples suas palavras”.
É o que nos recomenda Ésquilo (525-456 a.C.), poeta trágico que, segundo a lenda, teria morrido esmagado por uma tartaruga que uma águia lhe deixou cair precisamente sobre seu crânio calvo. Terá sido verdade? Não duvido.
Diante disso me pergunto até que ponto podemos de fato conhecer toda a verdade. Peçamos, pois, ajuda a dois filósofos franceses, que se detiveram sobre a questão. Comecemos por Descartes (1596-1650), que procurou a vida toda por uma Verdade que ele acreditava e defendia fosse distinta e clara, simplesmente absoluta. Já para Blaise Pascal (1623-1662), cuja sua filosofia é um contraponto ao método cartesiano, as verdades são antes de tudo relativas, posto encerrem paradoxos. Toda verdade para Pascal somente é válida se a ela for possível acrescentar uma outra, que lhe possa ser contrária.
Claro que não me refiro aqui à crua verdade dos fatos, nem à verdade histórica; essa espécie de verdade é aquela que o tempo, cedo ou tarde traz tona e faz prevalecer; estamos tratando aqui da relatividade das verdades subjetivas, das verdades metafísicas, infinitas tanto quanto são os diferentes pontos de vista sobre a vida ou nossa experiência em relação à realidade que nos cerca. Afinal, quem poderia, em sã consciência, julgar-se dono da Verdade?
Nesse sentido, esclarece Pascal:
“Todos erram tanto mais perigosamente quanto cada qual busca uma verdade. Seu erro não consiste em seguir uma falsidade, mas em não seguir outra verdade”.
Goethe (1749-1832), célebre literato alemão, pode nos socorrer neste particular, clareando um pouco esse dilema:
“A verdade é semelhante a Deus: não se revela imediatamente. É preciso adivinhá-la através de suas múltiplas manifestações”.
Ao que Gotthold Lessing (1729-1781), erudito escritor contemporâneo de Goethe, bem replicaria, por meio desta sua reveladora imagem, com a qual concordo, convidando meus leitores a que nela se inspirem:
“Se em sua mão direita, Deus tivesse encerrado toda a verdade e, na esquerda, o mero anseio, sempre ativo, da verdade, e me dissesse: “Escolhe”; eu cairia com humildade à sua esquerda e lhe diria: “Dá-me, Pai! que a Verdade pura é só para Ti”.
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(*) Homero Pimentel é historiador e autor do livro Fractais da História, a Humanidade no Caleidoscópio, editora Madras, prêmio Clio de História pela Academia Paulistana da História).
Para ler outro texto do professor Homero, acesse: Sabores do Saber.
Ótimo texto, Paulo. Ontem ainda em conversa com meu marido eu falava sobre a necessidade que tenho de desapegar das verdades aprendidas. Há sempre outros pedaços de verdade que se sobrepõem, que se contrapõem e nos ensinam que sabemos nada. E penso que este nada nos impulsiona a nos enchermos e esvaziarmos de conceitos, num moto-contínuo, qual respiração profunda, que mantém a vida.
Abraço pra ti.