AS MUITAS FILHAS DE HERÓDOTO
(por Homero Pimentel) *
(artigo publicado na sessão ‘Inspiração’ da “Revista Nova Consciência”, edição # 2, novembro/2007 – aqui apresentado na íntegra, sem cortes de edição e com seu devido título original)
Heródoto de Halicarnasso (485-425 a.C.) fora viver em Atenas por volta de seus 35 anos. Saindo ainda jovem da Ásia Menor, Heródoto esteve no Egito, navegou pelo Nilo, viajou à Líbia, passou por Tiro, Gaza, Cirene e conheceu ainda os jardins suspensos da Babilônia, entre tantos outros lugares. Morreu em Túrio, hoje cidade da Itália. Aos 43 anos, durante os jogos olímpicos de 441 a.C., ele assim apresentou aos atenienses sua História, espécie de primeira reportagem geral do mundo antigo, a retratar uma série de costumes, lendas e narrativas de povos que havia visitado:
“Esta é a exposição das informações de Heródoto de Halicarnasso, a fim de que os feitos dos homens, com o tempo, não se apaguem”.
Os atenienses receberam seu valioso texto com grande entusiasmo. Mais tarde, ele receberia de Cícero (106-43 a.C.), político e orador romano, o título de “Pai da História”. Outro grego, Tucídides (460-396 a.C.), ilustre historiador, autor de a História da Guerra do Peloponeso, considerava imprescindível o registro dos fatos:
“Minha história foi escrita para que seja útil em todos os tempos, e não uma simples crônica de uma hora efêmera”.
Já para o industrial estadunidense Henry Ford (1863-1947), entretanto,
“A história é uma trapaça!”
Ora, eu não assinaria o reducionismo desta frase, mas levo em conta a existência de muitas histórias concorrentes, umas mais, outras menos conhecidas, e observo o fato de que a história que aprendemos nas escolas é sempre aquela que nos é narrada pelos vencedores, posto que a dos vencidos, esta geralmente morre junto de suas derrotas. Como seria narrada, por exemplo, a história da colonização das Américas segundo os povos indígenas dizimados? Como ficaria a vida de Jesus e seus apóstolos à luz dos Evangelhos apócrifos? Ou, mais recentemente, seria possível compreender o golpe 64 sem a censura ideológica estadunidense? Ainda, como será contada a revolução cubana décadas após a morte de Fidel? Quem de nós não quer saber, por exemplo, até hoje, qual verdade se esconde por trás do estranho assassinato de P. C. Farias? E o corpo do E. T. de Varginha? Para onde foi levado?
Segundo o poeta inglês T. S. Elliot (1819-1948),
“a história tem muitas passagens ardilosas, corredores e saídas camufladas”.
Cabe juntar aqui a lucidez do escritor francês Honoré de Balzac (1799-1850) que, em sua Comédia Humana, cruamente afirma:
“Há, pois, duas histórias: a oficial, do interesse de muitos, porém, mentirosa; e a secreta, a verdadeira, conhecida por poucos, onde estão as reais causas de tudo, quase sempre uma história vergonhosa”.
O que nos leva a ponderar com Napoleão Bonaparte (1769-1821):
“O que é a história, senão uma fábula sobre a qual todos concordam?”,
a quem podemos contrapor o escritor russo Fiódor Dostoiévsky (1821-1881):
“Da história do mundo pode-se dizer aquilo que se quiser… menos que ela seja racional”.
Entendo que os homens devam, antes de tudo, procurar na história as transformações estruturais das sociedades humanas, uma vez conhecendo essas “mudanças”, podemos tornar o presente mais claro e assim construirmos um futuro melhor. Fechemos, então, com o escritor irlandês Oscar Wilde (1856-1900):
“Qualquer um pode fazer história, mas só um grande homem pode escrevê-la”.
O fato é que somos nós mesmos quem fazemos a História à medida que “escrevemos” o livro de nossas vidas. A verdadeira História é feita por celebridades e anônimos, por aqueles que encaram a realidade dos outros e fazem acontecer a sua própria. É preciso, dentro disso, saber discernir nosso caminho, perceber qual o real contexto de tudo que ocorre à nossa volta e, antes de tudo, jamais aceitar vender a alma aos que desonrariam com os fatos todo o entusiasmo que sentiram os atenienses diante do gigantesco nome de Heródoto.
* Homero Pimentel (1939-2008) é historiador e autor do livro Fractais da História, a Humanidade no Caleidoscópio, editora Madras, prêmio Clio – 2006 de História pela Academia Paulistana da História.
Para ler outro texto do Professor Homero, acesse: Livros a Nutrir o Espírito.