Extenso manuscrito com ilustrações em nanquim, delicadamente trabalhadas a bico de pena pelo próprio mestre, o ‘Bestiário Alquímico’ de Christiano Sotero mais me surpreende a cada vez que lhe abro aleatoriamente algumas das 666 páginas que o compõem, a fazer saltar seus fabulosos monstros e sonetos mágicos sobre mim.
Toda vez que o mestre me autoriza a fazê-lo, ou nas vezes em que me deixa a sós a refletir em seu laboratório-biblioteca, vejo-me alçado em devaneios por entre mitos e realidades, a viajar pelo inesgotável de seus grimórios e outros clássicos de magia e alquimia, incógnitas raridades que compõem seu sigiloso acervo. São iluminuras do quatrocentista Bonifácio Bembo, artífice de inúmeras séries de tarôs a ele encomendados por Philippo Maria Visconti e Francesco Sforza, respectivamente III e IV duques de Milano; são fragmentos árcades traduzidos neste mesmo século XV pelo humanista Isaac Causabon; poemas ocultistas lavrados pela pena do abade Alphonse Louis Constant, datados do XIX; dísticos proféticos de Mlle. Lenormand, célebre vidente, conselheira de Marie Josephine e de tantos revolucionários de 79; prateleiras inteiras tomadas por alfarrábios de alquimistas árabes de diferentes épocas, exímios fabricantes de vidros, perfumes e elixires.
A verdade é que tudo na casa de Sotero, sempre envolto em auras de mistério, me fascina. Nada, entretanto, se compara ao ‘Bestiário’ em que, algures já foi dito, o mestre dedica uma de suas sessões inteiramente à descrição e classificação dos dragões de toda espécie, conforme seus diferentes domínios e atributos. De suas secretas páginas, marginadas com arabescos, Sotero permitiu-me publicar ‘Leviathan’, cujo soneto em decassílabos heroicos é clarim da boa nova que já se faz sentir bem próxima, a ribombar os tempos que virão engolir o que de mais caduco existe em nosso mundo, para então vomitar entre bênçãos e clamores a grande cura da re-significação:
LEVIATHAN
Atlântida ele viu erguer-se inteira,
também a sua queda em perdição;
depois viu Babilônia em confusão
e viu Moisés trazer a Lei Primeira.
E viu erguer-se o Cálice cristão;
viu Maomé unir tribos na areia,
conhece o calendário e a cada-feira
aguarda pelos tempos que virão.
Pois, sabe que nos Céus será o eclipse
a anunciar o fim do Patriarcado,
e os selos se farão Revelação.
Tudo isso sabe o monstro lá deitado,
que enquanto espera o abrir do Apocalipse,
sonhando, dorme o Náutilus-Dragão.
C+S.:.
N.N.D.N.N.
outubro, ano da graça de MCMXCIX
Que profundidade de percepção, Dr Paulo!
Que maravilha de soneto! Parece conter em si, a cada palavra,
a cada verso, o principio e o fim de tudo.
Eu sempre me arrepio quando leio seus sonetos, seus artigos, sua presença,
mais que virtual.
Gratidão
Carmen
Agradeço-lhe pelas palavras, Carmen, mas o soneto desta vez não é meu, é outra obra-prima de Christiano Sotero, mestre sonetista tanto meu quanto de Alan Rodrigues de Carvalho, meu irmão de Ordem.
Ambos fomos iniciados por Sotero, mestre que nos inspira e nos orienta, seja em relação aos clássicos da literatura, seja em relação à Tradição Alquímica do Ocidente.