O VALOR DOS INSULTOS
Um rapaz, filho de um próspero e afortunado comerciante indiano, bem estabelecido em Calcutá, recusando-se a seguir com os negócios do pai, anunciou que tudo largaria para ser discípulo de um famoso mestre que vivia na cidade. Tendo procurado pelo guru, entretanto, este não o aceitou, por considerá-lo jovem ainda, bastante imaturo. Decepcionado, ao retornar para casa, foi alvo de chacotas e insultos de seus familiares, que passaram desde então a ridicularizá-lo em tudo aquilo que fazia ou dizia. O jovem, que se viu assim em constantes discussões com seus entes queridos, foi novamente ter com o sábio.
Tendo ouvido suas queixas, ele lhe disse: “De hoje em diante então, dê uma rúpia a todo aquele que o insultar; independentemente de quem seja seu ofensor, nada responda, apenas pague, e ainda, se o insulto lhe parecer muito grande, pague então cinco rúpias a quem o xingar assim”.
O moço nada entendeu mas achou melhor fazer o que lhe recomendava o mestre. E passou a dar moedas aos que o ofendiam, sem nada responder diretamente a eles. Não tardou, os mendigos da região descobriram a brecha e passaram igualmente a dirigir todo tipo de impropérios ao jovem, que passava por eles dando-lhes suas moedas em troca de cada ofensa recebida.
Com o espalhar da notícia, aglomerou-se às portas de sua bela casa uma pequena horda de vagabundos que simplesmente viram naquela prática uma maneira de ganhar moedas facilmente. E o rapaz, conforme lhe instruíra o mestre, pagava a todos que o insultavam uma rúpia, e dava outras cinco àqueles que o desmoralizavam mais gravemente.
Houve um dia então em que o rapaz acordou incomodado com tudo aquilo e resolveu questionar o guru. Tendo ido à sua presença, assim se colocou: “Faz três anos que sigo estritamente vossa recomendação, amado mestre, mas nada entendo do porquê de estar dando moedas em troca de agressões, em todo caso… até quando devo continuar agindo assim?”
“Há três anos que faz isso? – exclamou o guru – nossa, nem me lembrava de ter-lhe dado tal tarefa, aliás, para ser sincero, já havia me esquecido de você. Em todo caso, continuo impossibilitado de acolher em minha escola novos alunos, contudo, creio que você agora esteja pronto a ser admitido no Templo Proibido de Daramshala. Libere-se desta tola tarefa que lhe dei, largue imediatamente tudo o que tem, disponha somente do necessário para viajar e siga para Daramshala na aurora”.
O jovem nem perdeu tempo. O Templo Proibido de Daramshala, situado no norte da Índia, nos altos montes dos contrafortes do Himalaia, era simplesmente o mais conceituado dos templos, lugar de privilégio dos grandes iniciados no esoterismo hindu. Despedindo-se definitivamente de seus familiares todos, que se mostraram atônitos com tal decisão, para lá se dirigiu o moço. Longa peregrinação!
Depois de dificultosa viagem, finalmente ao deparar-se com o Templo Proibido, viu o moço que seus grandes portões estavam cerrados, e que toda uma turba de mendigos vivia ali assentada, sobrevivendo de alguma comida que os monges lhes davam. Ao verem chegar o rapaz, tendo percebido que era alguém de posses, passaram a insultá-lo e a caçoar dele, galhofando: “Olhem só o idiota que chega para ser monge, jamais será admitido ao Templo Proibido”. Outros diziam, “Só mesmo um trouxa chega até aqui pensando que os portões lhe serão abertos assim, à toa!” “Estamos mesmo diante de um jovem tão rico quanto imbecil”, gargalhavam outros tantos. O rapaz, vendo o que lhe acontecia, caiu também na risada. E ria largamente quando um dos mendigos dele se aproximou, interpelando-o de modo a intimidá-lo: “Por que é que ris assim destes todos que caçoam de ti?”
Com toda serenidade do mundo, respondeu-lhe o jovem peregrino: “Ora, há três anos sou obrigado a pagar a todos os que me xingam, agora posso rir completamente à vontade disso tudo; rio desses pobres miseráveis e rio ainda de mim mesmo, só por constatar que estou sendo xingado de graça, que aquilo por que sempre paguei, em verdade, já não me custa nada. Bobagem a nossa levarmos as coisas todas para o lado pessoal, menos ainda creio seja importante dar atenção à opinião dos outros em detrimento da consciência que devemos ter de nós mesmos. E digo ainda que todos os problemas talvez possam ser solucionados se mudarmos apenas nosso modo de olhar para eles”.
Tendo ouvido isso, o mendigo lhe respondeu: “Olha-me bem, olha nos meus olhos.” Ao reconhecer o antigo guru de Calcutá, o jovem estremeceu. “Sim, sou eu, prosseguiu o mendigo, sou teu velho guru disfarçado de mendigo; acompanha-me que entraremos juntos e te iniciarei nos grandes Mistérios do hinduísmo. Vejo que estás definitivamente despido de teu ego e pronto para começares tua nova vida…”
(Paulo Urban, junho, MMXI)
(ilustração: Jaromír Skrivanék)
Linda historia ! lindo ensinamento !
Paulo,
Mais uma vez, eis que me deparo com o mestre. Das palavras, dizia-me o mapa de planetas lotado. Dos pensamentos, da inteligëncia, das trocas verbais de altíssimo
alcance nos patamares do espírito.
Sempre que venho aqui me sinto assim, discípula.
Sempre me vem o meu Kiron capricorniano na casa geminiana do sol. Me sinto bem,
como quem comeu a fruta do paraiso.
Gratidáo ficando.
E um longo e carinhoso abraço.
Querido Paulo,
Sim, é isso: “Bobagem a nossa levarmos as coisas todas para o lado pessoal, menos ainda creio seja importante dar atenção à opinião dos outros em detrimento da consciência que devemos ter de nós mesmos. E digo ainda que todos os problemas talvez possam ser solucionados se mudarmos apenas nosso modo de olhar para eles”.
Vamos caminhando…
Obrigada!
Por quantos insultos pagamos?
Pagamos com o que temos de mais valioso, quem me dera gastar apenas 1 rúpia com cada um deles.
Quem me dera estar pronto para os muros da serenidade.
Obrigado amigo…
Ele não estava pagando na mesma moeda (insultando a todos), portanto, já aceitou viver no padrão vibracional que o sábio lhe propôs.
Teve sua recompensa, e durante os três anos o seu treinamento contínuo foi de não agredir àqueles que o ofendiam, mas sim, pagar numa moeda que os favorecesse. Gerando no mínimo, gratidão para alguns.
Sábio sábio, e sábio texto, Paulo.
Excelente história digna de um grande professor.
Sou grato por tuas palavras e ensinamentos.
Fraternal e saudoso abraço.
Espero vê-lo em breve.
O estado de relaxamento traz-nos a paz entre os adormecidos adestrados…Gratidão, Paulo..
Que texto. Adorei!
Já vou compartilhar!
Que lindeza de história.
Agradecida por compartilhar, aqui!