ASTRUM VITAE
Aquele aforismo de Hipócrates incomodara-me desde os bancos da faculdade: O médico sem o conhecimento da astrologia nem deveria ter sequer o direito de proclamar-se médico. Ver-me assim, de todo ignorante no que tange à arte de ler os céus e mapas constelados, a mais antiga ciência de toda a humanidade, eu bem sabia, muito me limitaria penetrar mais a fundo o psiquismo de meus futuros pacientes, haja vista que muito antes de iniciar meu curso de medicina, desde os idos do Colégio, eu já houvera me decidido pela psiquiatria.
Bendita, pois, a hora em que os planetas me fizeram queixar dessa lacuna ao mestre Christiano Sotero, era o finzinho de 1986. Sotero me iniciara na TAO (Tradição Alquímica do Ocidente) no equinócio de Áries de 1978. O rito de admissão se dera num discreto templo alojado na Rua 25 de Março de uma São Paulo já antiga. Agora, 1986, terceiranista na faculdade, junto de outros poucos membros do postulantado, ouvíamos de Sotero uma preleção acerca do Grande Alinhamento de Planetas que se daria no início de 1987, a demarcar, dizia o mestre, o deflagrar de um intenso processo de mudanças no padrão de consciência da humanidade: Sol, Lua e outros seis planetas estavam prestes a formar uma grande Estrela de Davi no Corpus Syderium (expressão esta com que Paracelso – também médico e astrólogo – designa o Firmamento), poderosa formação chamada pelos astrólogos de ‘Convergência Harmônica’, a proclamar os próximos 25 anos de preparo espiritual coletivo até a ocorrência do seguinte Magnum Stellium, outra Grande Conjunção, que viria a ocorrer em dezembro de 2012.
E foi assim que os planetas, dando-me seu ultimatum, abduziram-me no universo arquetípico de seus mitos. Diante de meus insistentes pedidos pós-palestra para que Sotero me introduzisse à astrologia, o mestre, alegando que já nos ministrava outras artes proibidas, recomendou-me fosse bater às portas de Nicolau Nicolei de Ptolodamus, Astrólogo Grão-Mestre da TAO.
Mestre Nicolau, por sua vez, houvera sido discípulo de um dos mais célebres astrólogos que o mundo conheceu, o judeu-português Rafael Baldaya, versado em cabala e especializado no traçado de mapas-heterônimos. A propósito, fora Baldaya o introdutor de Plutão nas cartas natais, tão logo sua descoberta foi anunciada ao mundo – era um 18 de fevereiro de 1930 – pelo astrônomo estadunidense Clyde William Tombaugh. Mas Mestre Nicolau custou aceitar-me como aluno; por inúmeras vezes dissimulava a arte a fim de testar até onde ia meu real interesse por ela. E foi após quase dez anos de insistência minha que concordou em introduzir-me aos primeiros degraus da astrologia, transferindo-me a maçante tarefa de executar para ele na ponta do lápis os demorados cálculos das casas e graus de cada um dos planetas a serem domificados nos mapas que elaborava. E adorava citar em suas aulas a máxima que aprendera de Baldaya: A finalidade de toda a astrologia não é outra senão a de trazer mais luz à consciência humana.
Nicolau Nicolei, desde então, passo a passo vem me ensinando a penetrar na oculta sabedoria dos caldeus, a mesma que auxiliou Hipócrates, também aquela que serviu de base à medicina alquímica de Paracelso e que foi ainda ferramenta cirúrgica de Carl G. Jung em suas empreitadas arqueológicas nos campos da alma. É, pois, Nicolau quem me alfabetiza para que eu possa ler as revoluções celestes e perceber as sincronicidades a elas inerentes. Pouco a pouco, ensina-me a inferir quanto às potências e qualidades consteladas sobre os órgãos e sistemas, levando-me a melhor compreender o dinamismo oculto dos quadros psico-orgânicos a estes aspectos relacionados. Busco assim meu despertar na ancestral astrologia médica, tão útil para o esclarecimento diagnóstico das patologias psíquicas quanto para os prognósticos que possamos esperar desses quadros.
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De astrologia, bem explicado, sei muito pouco. Nesta arte sou mero peregrino e é a mestre Nicolau que recorro em minhas dúvidas astrexistenciais. Mas minha querida amiga – brindávamos sob o luar com vinho e poesia – interrompeu-me a leitura dos versos e, olhos tomados por estrelas, disse-me em tom de pergunta:
— Trago a Lua em Capricórnio, mas nunca entendi direito o que isso quer dizer.
— Tampouco o sei, respondi, mas por esses dias vou ter com mestre Nicolau e levarei a ele tua pergunta. Só o que sei é quando miramos o constelado céu de nossas almas, colhemos impressões que nos inclinam a vasculhar através de telescópios internos os nossos sentimentos mais profundos.
Ela me olhou com etéreo ar de dúvida… continuei: Posso dar-te, entretanto, alguns palpites: Saturno, regente de Capricórnio, potencializa as capacidades reflexivas e sentimentais da Lua. Uma Lua assim, assentada em Capricórnio, confere-nos certa moderação necessária para que saibamos melhor distinguir a realidade daquilo tudo que é somente fantasia. É um aspecto que nos inclina a uma atitude prática em relação aos acontecimentos da vida, contribuindo assim para uma percepção mais objetiva de tudo que nos rodeia.
Ela anuiu, dando-me a confiança em prosseguir:
— Mas lembremos que toda Lua pede afeto: em Capricórnio, imagino esteja a nos favorecer com seu suave toque de equilíbrio emocional. Acentue-se aqui o tema da autovalorização que, neste caso, por ser Capricórnio o signo original da casa X, acha-se estreitamente ligado à realização profissional. Ponderados e pragmáticos, os que trazem a Lua em Capricórnio costumam ser dotados de refinada inteligência, mas especialmente atentos aos matizes e nuances de seus mais íntimos sentimentos. Mas esta Lua atrapalha um pouco quando a questão é a de agir com espontaneidade, e isto por conta de seu caráter mais tímido, de sua natureza cautelosa, de seus raios mais suaves. Os que trazem a Lua neste signo vivem de certo modo motivados a manter o controle das coisas, mas, no fundo, só anseiam mesmo não serem incomodados, por isso optam por viver da forma mais discreta e reservada; não é senão por instinto de autoproteção que temem revelar seu mundo íntimo.
Vendo-a pensativa, assim continuei: — toda Lua em Capricórnio traz mais foco à consciência. É a Lua da razão, da clareza mental, protetora sim, mas também conservadora. Sua melhor imagem é a de uma serena montanha banhada pela aura de uma Lua Cheia. Em situações mais críticas, por ater-se mais às concretudes, chega mesmo a inibir o contato com o mundo imaginativo. Sem fazer questão de agradar quem quer que seja, esta Lua prefere simplesmente ser aceita por aquilo que ela é. Despreza as turmas e os grupos em nome de sua privacidade e é justamente este seu modo misterioso de agir que acaba mais atraindo para si a admiração de quem a rodeia. Seu quê de romantismo se inclina ao quase solitário. E dado a esse seu tropismo pelo isolamento, é propriamente a Lua dos que amam as madrugadas, especialmente quando há por perto algum amigo que lhes leiam poesias e a cada tempo da leitura, encham-lhes a taça com vinho… – ela sorriu nessa hora, ao que completei: — com o que, agindo assim, muitas vezes afastam seus amigos de suas mais insuspeitas frustrações, de seus anônimos mergulhos na melancolia.
Ela concordou.
— O maior desafio desta Lua talvez seja o tanto que ela nos cobra a ser mais sociáveis e menos rigorosos com nós mesmos, mais tolerantes também com quem nos faz companhia. Antes de tudo, esta Lua pede que perdoemos as nossas próprias falhas…
Talvez ainda lhe dissesse algo mais, não fosse percebê-la algo distante, orbitando antigas memórias, lunaticamente hipnotizada. Ou se deixara suspender pela gravitação dos astros ou meu discurso lhe soara monótono. E foi preciso chamá-la algumas vezes pelo nome para que se fizesse de volta.
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Semana mais tarde, levei a Nicolau o desafio. Encontrei-o entre mapas e cálculos. Buscando sua pasta de sonetos – os mestres da TAO são versados nesta arte – dela tirou o aurum arcanum de profundo senso hermético.
Seguem, pois, as considerais do mestre, as mesmas que enviei depois à minha amiga, com outras recomendações de punho próprio:
LUA em CAPRICÓRNIO
Percebe os teus sagrados sentimentos:
silêncio em que meditas é divino,
a Lua em Capricórnio é um violino,
Saturno em stacatto, acordes lentos.
Pois se a água envolve a Terra, úmido é o tino
de todo este rebanho e seus rebentos,
é o segurar prudente dos momentos
ao se banhar nos mares do destino.
A imagem é a montanha em Lua Cheia,
noturna placidez sem infortúnio,
também é a Cabra oculta atrás dos galhos,
ansiosa em compreender-se em plenilúnio;
é o comungar do pão da última ceia,
constância em perdoar, saber-nos falhos.
Nicolau Nicolei de Ptolodamus,
Astrólogo do Rei,
Porta-Céu de onde estamos!
Sol aos 27º de Escorpião, MMX
Só mesmo a iluminação pessoal decorrente de uma inspiração divina pode dar ao punho tamanhas palavras… “é o segurar prudente dos momentos
ao se banhar nos mares do destino”
A mim só cabe expressar extrema admiração! É um dom e um encargo há muito tempo definido e esperado a ser desenvolvido.
Tenho ainda a honra de dizer que sou privilegiada por ter um mapa feito e lido com “exatidão de quem sou” por este mestre, discípulo de Nicolau.
Soberbos texto e soneto!! Encantador Amigo da Alma, de quem começo a conhecer a lavra…e intrigante Mestre Nicolau Nicolei, que me parece imortal…
Indescritível prazer da alma enlevada
por palavras que soam como notas musicais
harmônicas capazes de abrir portas de
entendimento.