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O Segredo da Arte Mágica

Mágicas2.0.3Segredo da Arte Mágica 

Por Paulo Urban, médico psiquiatra e Psicoterapeuta do Encantamento

Publicado na Revista Planeta, edição nº 371, agosto/2003 

eduardoperes_magicoCrianças e adultos reunidos na sala; clima de grande expectativa. A aniversariante, Maíra, 5 anos, anuncia com entusiasmo: “Vai começar o show de mágica, gente!”. Música de espetáculo, crianças batem palmas e o mágico entra em cena fazendo sua varinha sumir subitamente, explodindo-a numa chuva de papel prateado! Recebe aplausos e conquista o sorriso de todos.

O mágico Eduardo Peres; jovem e espontâneo, vai tirando surpresas de sua mesa de apetrechos num crescendo de efeitos empolgantes: o lenço em sua mão é dobrado e cortado, mas volta a aparecer inteiro, em seguida cresce até ficar gigante, diminui de novo, some em suas mãos e se transforma sabe-se lá como num pombinho branco que, por sua vez, rouba a cena: sai voando pela sala e volta para pousar noutra varinha mágica, que Eduardo entrega à Maíra para uma foto especial.

Eduardo Peres iniciou-se ainda criança na arte mágica. Tinha 8 anos quando recebeu de seus pais, numa noite de natal, a caixa de mágicas que lhe rasgaria os véus de um mundo novo e fascinante. Tomado por um interesse sempre crescente pela arte, aos 14 anos já freqüentava as reuniões semanais da tradicional Associação de Mágicos de São Paulo, fundada em 1955, e filiou-se também à Academia Brasileira de Arte Mágica.

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Esmerando-se em apresentar seus números de modo muito original, no ano seguinte já era premiado na Convenção Nacional de Mágicos, o que lhe rendeu passagem para apresentar-se na Argentina. Em 1998, no Congresso da Federação Latino Americana de Mágicos, em Buenos Aires, conquistou seu primeiro prêmio internacional, na categoria manipulação, credenciando-o ao campeonato mundial que se realizaria dali a dois anos, em Lisboa.

Eduardo preparou-se para o evento com a determinação de um campeão olímpico. Autorizado a usar o teatro do Externato Casa Pia, onde estudara desde a infância, passou a ensaiar ali seu número, obsessivamente, todas as noites, das 20h às 4 da manhã. Chegou ao requinte de poder cumprir toda a marcação de palco até de olhos fechados, e ainda criou efeitos sonoros associando-os aos passes de mágica.

Quando finalmente viajou a Portugal para apresentar-se no torneio da Federação Internacional de Sociedades Mágicas (FISM), tinha encontro marcado com a glória. Diante de 2.100 mágicos, representantes de 48 países, a performance foi tal que arrebatou a platéia. Os jurados não tiveram receios em premiar o jovem brasileiro com o 1º lugar. O destaque lhe valeu viagens e apresentações por sete países da Europa e das Américas.

Mas Eduardo não esconde sua admiração pelo grande mágico paulistano Ênio Finochi, 67 anos, que lhe deu importantes toques para aperfeiçoar seu espetáculo. Historiador de artes mágicas, Ênio é descobridor e orientador de jovens valores que muitas vezes se iniciam na arte freqüentando seu Curso de Formação Básica de Mágicos, realizado regularmente em São Paulo. O professor, autor do ensaio A Arte Mágica através da História da Civilização, conta-nos que, comprovadamente, a mágica acompanha a humanidade há pelo menos 5 mil anos.

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Ênio Finochi em caricatura feita pelo mágico Fabrini (vide serviço, no final do texto)

Ritos religiosos e cultos pagãos da Antigüidade, diz ele, valiam-se de muitos artifícios no intuito de manifestar sinais que pudessem ser atribuídos aos deuses. Havia portas que se abriam misteriosamente quando acesos os fogos dos altares, imagens que vertiam leite pelos seios, outras que falavam com os crentes, fontes que faziam jorrar vinho espontaneamente em festas de Baco, tudo feito de modo a manter os fiéis temerosos e maravilhados. Conforme descreve Heron de Alexandria, em 63d.C., em seus livros Autômata e Pneumática, explica Ênio, os templos egípcios, gregos e romanos eram equipados com mecanismos inteligentemente concebidos para produzir fenômenos sobrenaturais, e não eram senão teatros onde números perfeitos de ilusionismo eram apresentados aos fiéis a fim de provar a presença dos deuses e garantir o poderio das classes sacerdotais.

O professor nos revela também qual o número mais antigo de que se tem registro: são os covilhetes, manejados com astúcia por ambulantes das ruas, que faziam sumir e aparecer pedrinhas entre os dedos para depois fazê-las passar misteriosamente de um copo para outro sem que fossem tocadas, para daí surgirem todas juntas num copo antes vazio. Estes primeiros prestidigitadores, cujo nome expressa a destreza de seus dedos, na ágora grega eram chamados de pséphopäiktes, e em Roma se tornaram populares como acetabulari. Sêneca (3a.C.-65d.C.), filósofo romano, em suas Epístolas Morais a Lucílio fala dos mágicos de fama sua época, citando Alexandre de Abonótica, Theodorus, Eunnus, o sírio, Xénophon e Simão, este último, a propósito, também citado na Bíblia, em Atos dos Apóstolos, 8; 9-11.

Ênio conta que a classe sofreu deliberada perseguição com o advento da Inquisição, instituída pelo Papa Gregório IX, em 1233. Os Tribunais do Santo Ofício condenaram ao longo dos séculos de terrorismo religioso inúmeros mágicos, por entender que seu modus operandi os ligava à feitiçaria e ao demônio. A arte mágica só seria devidamente reabilitada no Renascimento, quando a imprensa de tipos móveis permitiu sua maior divulgação. Em 1584, Ênio cita, surgem dois livros destinados a transmitir os segredos mágicos: The Discoverie of Witchcraft, do inglês Sir Reginald Scott e La Première Partie des Subtiles et Plaisants Inventions, escrito pelo francês J. Prevost.

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Enquanto ouvia o professor discorrer apaixonadamente sobre o tema, como criança diante da mágica, deixei-me sonhar e revi a agradável tarde da infância em que, junto de minha irmã e de meus pais, fomos atraídos por uma loja na rua 24 de Maio que anunciava vender mágicas; por sinal, hoje descubro, um antigo negócio de Ênio Finochi. O mágico pediu a aliança de meu pai, fechou-a numa caixinha de madeira, mandou-me soprar a caixa enquanto ele a sacudia e, por milagre, o barulho da aliança batendo nas paredes internas cessou. Aberta, nada havia nela! Eu já imaginava o que meu pai não faria para ter sua aliança de volta, quando o mágico me pediu que abrisse uma segunda caixinha, embalada num plástico e lacrada por vários elásticos. Dentro dela, outra caixa menor havia, igualmente bem vedada, onde encontramos um saquinho de pano amarrado. Ao abri-lo, descobrimos (aliviados) a aliança desaparecida. Meu pai ainda conferiu a gravação. A família foi unânime na sentença: decidiu comprar a mágica.

Desde então o fascínio pela mágica tomou minha atenção. Atirei-me com entusiasmo ao aprendizado da arte; de modo amador, claro; afinal, mágica maior seria abraçar o mundo e realizar plenamente tudo aquilo de que gostamos. Particularmente, considero a mágica ferramenta imprescindível à parapsicologia que, tendo por objeto de estudo os fenômenos psi, deve primeiro saber separar o genuíno da fraude, no intuito de não se deixar enganar por trucadores e charlatães, falsos videntes ou paranormais de plantão que, por diferentes razões, exploram a boa fé dos que neles acreditam, impressionando-os com seus milagres e supostos poderes postos à mesa.

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Entendo ainda que a mágica cumpra funções de maior importância, por exemplo, a de lembrar-nos de que nossa razão, tão privilegiada pelas ciências, mostra-se absolutamente incapaz de, por si só, capturar os segredos da existência. Ainda que o funcionamento de uma mágica possa vir a ser explicado pelo raciocínio lógico, seus efeitos provocam deslumbramento e nos afastam dos referenciais conhecidos; elevam nosso estado de espírito a um patamar sutil de percepção que nos ensina enxergar além da realidade comum com ar de humildade, posto que exige da racionalidade que se confronte com o inaudito, obrigando-a a sentar-se diante do espelho dos mistérios transcendentes.

Não poderia deixar passar em branco o paralelo óbvio, pouco explorado no entanto, que faz da mágica de salão uma metáfora a (re)velar a evidente presença da magia esotérica no imaginário coletivo e nos costumes sociais de todas as culturas, desde as civilizações primitivas até as contemporâneas. Nesse terreno incerto, envolto em brumas ou guardado em fundo falso, muitos evitam pisar com medo de confundir ainda mais os conceitos acerca do que é mágica ou magia, e o racionalismo moderno tem mesmo feito questão de separar tais naturezas; outrossim, encontramos afinidades que permitem relacionar sem problemas estes saberes.

Abracadabra

Curioso, por exemplo, é observar a palavra Abracadabra, sortilégio dos mágicos do mundo inteiro, que bem expressa a milenar crença no poder das fórmulas imprecativas, por meio das quais as transformações ocorrem. Antigos cabalistas conferem a esse nome a virtude de curar doenças, desde que gravado sobre um talismã devidamente preparado por magos, para ser usado junto ao corpo: a palavra deve ser escrita em uma série de linhas, a primeira das quais contendo a palavra inteira e as subseqüentes suprimindo uma letra por linha, formando assim um triângulo, a permitir que o nome fosse lido em vários sentidos. Etimologicamente, sua origem é obscura. Uns relacionam o nome a Abraxas, divindade suprema dos gnósticos basilianos, seita fundada no século II, que rogava que sua pronunciação desse continuidade às 365 emanações divinas. Para outros, o termo provém do grego arcaico; e há os que vejam sua origem no hebraico arba-dak-arba, que literalmente se traduz por “que o quatro anule o quatro”, insinuando que Javé (cujo criptograma se representa por quatro letras sagradas inefáveis) é o Todo Poderoso, único capaz de dominar os quatro elementos.

Além das palavras de poder, mágicos e magos valem-se de objetos específicos voltados à boa execução de suas rotinas; mágicos possuem aparelhos, copos, moedas e cartas de baralho para números de manipulação, usam engenhocas com mecanismos especiais; magos dão valor sagrado à espada, à taça e às moedas, também à baqueta, cujo conjunto representa os quatro elementos a serem coordenados, e privilegiam trabalhar com oráculos e adivinhações, cuja alegoria nos reporta aos chamados números de mentalismo, que aludem aos fenômenos psíquicos de telepatia e clarividência, brilhantemente apresentados em palco desde há séculos.

Também os passes da mágica de salão acham-se intimamente associados aos gestos ritualísticos destinados a fortalecer as imprecações. Ritos religiosos invariavelmente exigem de seus sacerdotes que estejam vestidos apropriadamente para a função, ora portando capa ou túnicas sem costuras, ora pala ou estola de cores específicas, ou chapéu ou mitra de determinadas características. Pois não é outra a obrigação do mágico, senão a de paramentar-se adequadamente para suas apresentações, mesmo porque em sua roupa muitos dos números que irá exibir podem estar preparados.

Houdini

Houdini

Desde o personagem mágico-bufão que na Idade Média fazia rir a corte com seus truques e malabarismos, que usava gorro com guizo e roupa colorida remendada, até o mágico elegante, trajando cartola e casaca conforme tradição criada pelo francês Robert Houdin (1805-1871), que revolucionou o conceito de arte mágica em seu luxuoso teatro das Soirées Fantastiques, instalado no Palais Royal, na Paris de 1845; sem exceção, através dos séculos as vestes sempre cumpriram parte do espetáculo.

Mago cabalista ou mágico de palco, tanto um quanto o outro são os donos do espetáculo, estão entre o tudo e o nada e são medida para todas as coisas, também o elo entre o plano terreno em que atuam e o mundo “sobrenatural” que descortinam. Ambos insinuam com suas artes que o universo pode mesmo responder a nossos anseios mais sinceros, e desejando brilhar sua luz em seus caminhos, ajudam a iluminar a consciência de todos à sua volta que percebem que o encanto da vida consiste em acreditar primeiro, para então realizar.

 Conjuração Mágica

Afinal de contas, quem é o verdadeiro mago, senão aquele que, erguendo sua baqueta, símbolo do poder de que está imbuído, procura organizar o mundo e ser dono do próprio destino, valendo-se para tanto de artifícios e desafiando a ordem cósmica por meio de seus instrumentos, passes e imprecações? Seu protótipo, bem representado pelo primeiro arcano do tarô, remete-nos à imagem do indivíduo que, inspirado nos preceitos da arte mágica, tem por missão produzir efeitos e maravilhas dentro de si mesmo, a fim de que melhor se conheça e descubra os segredos da existência. Não obstante seu esforço para ler e compreender a ordem do cosmos, o mago do tarô, como qualquer mágico profissional, deseja “iniciar-se” nos mistérios, e espelha cada um de nós quando estamos prestes a começar novo espetáculo ou desenvolver algum projeto pessoal, que nos cobra destreza e lucidez para que, refletindo sobre cada ato, não nos percamos ao longo do caminho, vitimados por nossas próprias ilusões. Mágico.0.2

A propósito, muito do prazer da vida está guardado por detrás do lenço que oculta seus mistérios, e a sincronicidade é mágica suficiente capaz de nos surpreender e aguçar a consciência diante de seus fenômenos inéditos, que nos são particulares e que intimamente nos ensinam a manter o despertar anímico. Ambos os mágicos entrevistados, diante do difícil desafio de definir o que é mágica, disseram que ela é o que nos ensina e nos permite sonhar.

Concordo plenamente, e abstraio: se tudo aquilo que nos convence de que a vida reserva boas surpresas para as almas que se deixam levar pela magia, for simplesmente um sonho, sonhemos pois com prazer e sem desejos, com simplicidade e sorriso. Afinal, a mágica é a única ilusão que não decepciona. Este é seu maior segredo, e crianças sabem disso!

S e r v i ç o

Mágicos-Vik&Fabrini

Mágico Eduardo Peres,
eventos sociais
e em empresas
:
(11) 3825-6593
Visite:
www.eduardoperes.com.br

Revista Magi, a Revista do Mundo Mágico, exemplar raridade, ano 1, nº 3, ano de 2001, trazendo na capa a dupla de renomados mágicos brasileiros, Vik & Fabrini, sucesso e fama em Paris, Londres, Nova Iorque, Los Angeles e outros muitos países. (obs: na foto, Vik está carregando Fabrini, que atua no espetáculo como se fosse um boneco)

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Nota de pesar:  Informamos que o mágico Ênio Finochi, nascido em 3/02/1936, faleceu aos 21/10/2012.

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